Quarentena, Home Office e perda do bom senso: será que estamos com excesso de Accountability?

Assim como outros profissionais da área, migrei boa parte dos meus trabalhos presenciais para o digital, principalmente as sessões de mentoring com executivos do C-Level. Nesse cenário, identifiquei cinco traços de comportamento que me chamaram a atenção e me fizeram refletir a respeito do que tenho escrito sobre o conceito de Accountability. Trabalhei com os meus clientes todas essas situações e, juntos, já encontramos as soluções.

Tudo resolvido! Fui encorajado – por eles mesmos – a compartilhar esse contexto, para que outros possam fazer a mesma reflexão:

Necessidade de ser visto como produtivo

Na maioria dos executivos, percebi uma necessidade enorme em se mostrarem ocupados e mais eficientes. Ficou clara a elevada cobrança sobre si mesmos e sobre os outros em entregar cada vez mais. Querer ser produtivo é muito bom, porém percebi exagero em alguns.

Admiração por longas jornadas

A carga horária de trabalho na quarentena aumentou. Em média o acréscimo foi de 15 a 20 horas semanais. Os executivos que tinham como padrão trabalhar das 9:00 as 19:00, no home office passaram a aceitar a rotina das 8:00 as 20:00 e, em alguns casos, até das 7:00 as 21:00. Não é errado trabalhar muito, errado é responsabilizar o gestor por prazos de entregas que nós mesmos concordamos em fazer.

Sentimento de abuso e culpa

Observei uma carga emocional inconsciente. Abuso por parte dos gestores – que poderiam ter demitido alguns membros do seu time e não o fizeram – que, inconscientemente, sentem-se no direito de demandar tarefas sem limite, sem etiqueta de comunicação e sem protocolo de horário comercial.

Sentimento de culpa – também inconsciente – por parte dos colaboradores, gratos por não terem sido demitidos ou por se sentirem responsáveis em dar o máximo de si nesse momento, passam a pensar e agir como donos. Estes, acabam aceitando as demandas sem balancear corretamente o trabalho com as exigências da família e as tarefas de casa.

Convivência com novos colegas de trabalho

Crianças de 4 e 6 anos fazendo aula online de massinha, exigindo acompanhamento dos pais e compartilhamento dos seus equipamentos. Adolescentes fazendo pressão para receber seus amigos ou sair para encontrá-los. Sogros trazidos para dentro da casa, passando a fazer parte da dinâmica que agora também é corporativa. Tudo junto e misturado.

Desequilíbrio na distribuição do trabalho

Apesar de muitos homens que não pisavam na cozinha terem se tornado chefs, lavadores de prato e arrumadores de cama, o peso maior ainda recai sobre as mulheres, sobretudo pela exigência dos filhos. Por natureza, as mulheres são mais tolerantes à dor, reclamam menos, calam-se e sofrem mais. Elas estão pagando um preço mais alto, principalmente as que são mães e independentes.

Será que os gestores estão percebendo isso? Para quem deseja saber mais sobre o conflito de ser mãe e executiva em tempos de COVID-19, recomendo a leitura de um estudo publicado na Revista Crescer, Coronavírus: Mães de crianças pequenas são as mais afetadas por estresse no isolamento”.

Accountability é uma palavra que só existe no idioma inglês. A tradução mais próxima para o português seria: pensar, agir como dono e entregar resultados excepcionais.

Não é uma competência e nem uma habilidade, é uma macrovirtude moral. E como todas as demais virtudes, necessita ser vivenciada com equilíbrio.

Aristóteles acreditava na importância da ponderação na prática das virtudes, como por exemplo em relação à virtude coragem. Em excesso, a coragem torna-se imprudência e em sua ausência torna-se covardia. Um outro exemplo é em relação à virtude humor. No excesso, o humor torna o indivíduo inconveniente ou impertinente, e na ausência, o indivíduo torna-se sem graça ou cansativo. O segredo está no equilíbrio.

O que eu tenho insistido com os meus clientes é na urgência em exercitar o bom senso e a ponderação. Para os gestores, tenho falado muito sobre a importância da empatia e da compaixão, com o propósito de entender o contexto de cada um do seu time.

Apesar de estarmos todos na mesma tempestade, o gestor e seu time estão em barcos completamente diferentes. Pergunto a você gestor: você conhece a realidade do barco de cada um do seu time? Aos executivos, tenho incentivado o exercício da coragem para negociar ou até renunciar com bom senso, o prazo de entrega das tarefas solicitadas. Pergunto a você executivo, é o seu gestor que lhe impõe um ritmo insano de trabalho ou é você que tem uma alta exigência de si mesmo? Para saber mais sobre os limites da relação com o trabalho, recomendo a leitura do livro de Jeffrey Pfeffer. “Dying for a Paycheck”, também em português com o título, “Morrendo por um salário”.

Acredito que a melhor aplicação da Accountability, no momento, é darmos o melhor de nós no trabalho sem perder a visão positiva do futuro nem a noção do tempo que devemos dedicar para nós mesmos e para os outros a nossa volta.

JOÃO CORDEIRO

Um evangelista da Accountability, com a profunda convicção de que é dever de cada um tomar para si a responsabilidade pelo resultado do seu trabalho e como somos o resultado de nossas próprias decisões, podemos sempre melhorar.

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